É improvável que fique tudo bem. Portugal vai ter de reagir à segunda crise económica global numa década e não parece que da Europa venha alguma ajuda, seja pressão de ar ou bazuca, que não sirva para nos queimar. A atividade económica parou durante quase dois meses por causa de uma pandemia e isso terá consequências. Mas não é uma sentença de miséria.
Há neste momento um milhão e duzentos mil trabalhadores potencialmente afetados pela pandemia, entre desempregados, trabalhadores independentes sem atividade, trabalhadores em lay-off ou com horário reduzido. O tempo e a profundidade desta crise dependem da capacidade do país para garantir que fica mesmo tudo bem para estas pessoas. Se não formos capazes de proteger o emprego e os rendimentos agora, essa fatura ser-nos-á cobrada da pior maneira em empobrecimento prolongado.
Não é verdade que o país não tenha recursos para o fazer. Em primeiro lugar, o esforço de investimento público não pode ser limitado pelas regras europeias que nos levaram ao desastre da última vez. Aquilo que o país não gasta agora para salvar um contrato precário acabará por pagar mais tarde em subsídio de desemprego, perda de contribuições sociais e impostos e quebra no consumo. Há uma cadeia de perda de valor económico num despedimento que sai muito mais cara ao país do que aguentar aquele salário.
O problema é que essa lógica de proteção coletiva não é a mesma das empresas. Para elas, o trabalhador é o elo mais fraco quando se trata de manter lucros. É por isso que a resposta à crise também passa por entender de que forma é que se distribuem os prejuízos desta paragem económica.
Quando uma empresa, como a Petrogal, distribui 314 milhões de euros de dividendos aos seus acionistas enquanto despede precários, essa atitude é duplamente imoral perante os trabalhadores e perante o país. Quando esses dividendos fogem para a Holanda e nem sequer contribuem para o esforço financeiro do país para responder à crise, estamos perante um saque.
Quando uma multinacional, como a Volkswagen, que tem resultados positivos durante anos seguidos e já recebeu milhões em ajudas públicas, recorre ao lay-off para transferir o custo dos trabalhadores para a Segurança Social apesar de os poder pagar, estamos perante um desfalque.
Quando uma Visteon, multinacional norte-americana, anuncia simultaneamente que tem 825 milhões de liquidez mas vai cortar 20% nos salários dos seus trabalhadores, despedir precários e recorrer ao lay-off, estamos perante uma fraude.
A pandemia é implacável, mas não afeta todos por igual. O que determina a desigualdade nos seus efeitos é a exploração. É por isso que o lay-off simplificado aprovado pelo Governo deveria ter sido desenhado para salvaguardar o emprego e os salários, porque o interesse do país no apoio às empresas é proteger o emprego e não os lucros, o interesse coletivo e não o privado.
Se hoje perguntarem se vai ficar tudo bem, a maioria dirá que o futuro não tem lá muito bom aspeto. Mas isso é porque nos estreitaram o campo de visão com inevitabilidades como a austeridade, para que não vejamos que a solução para vencer a crise está na distribuição da riqueza. A verdade é que não é impossível. Chama-se luta de classes e não está escrito em nenhum lado que tenhamos de a perder.