O Dia Internacional dos Direitos Humanos é comemorado em todo o mundo a 10 de Dezembro. Entre este dia e o 25 de Novembro(1) decorreram os 16 Dias de Activismo, em que as feministas e activistas dos direitos das mulheres denunciam discriminações e sensibilizam toda a sociedade para lutar pela sua erradicação.
Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA) um projecto que a UMAR iniciou há 10 anos, deu conta dos números de mulheres assassinadas em 2014 e desde 2004 até agora. Desde 2004 morreram 396 mulheres às mãos dos seus companheiros, ex-companheiros, familiares. Uma média de 40 por ano. Para além dos femicídios, houve 458 tentativas de homicídio. Este ano, já foram mortas 40, das quais 7 no distrito de Setúbal que fica assim com a pior cifra a nível nacional.
Quer nos casos consumados, quer nas tentativas de homicídio, surge em evidência um historial de presença de violência doméstica na relação de conjugalidade ou de intimidade entre a vítima e o agressor. A maioria dos casos ocorreu na família em relações íntimas presentes ou passadas. Uma verdadeira guerra civil no lar, aquele sítio que, à partida, imaginamos como o mais seguro e aprazível para se viver!
Desde que me conheço enquanto feminista e activista dos direitos das mulheres, que têm sido muitas as vezes que tenho falado e escrito sobre a violência ou as violências sobre as mulheres. Aflige-me constatar que por muito que se fale e por muitas vezes que se fale, o tema nunca está esgotado, antes parece que se reproduz e nunca tem fim à vista. Aflige-me a banalização, a naturalização, a normalização do problema.
“Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” lembram-se da canção? Mas o mal é que se ignora. A violência de género entrou na rotina e anestesiou as sociedades. Estamos de fora, não nos afecta a nós. Mas será mesmo assim? Pode-nos vir a afectar – os números dizem que em 3 mulheres uma já foi ou será vítima de violência – mas mesmo que não nos afecte, intervir, denunciar, apoiar e lutar pela erradicação são deveres da cidadania e de uma sociedade decente. São conhecidas experiências que mostram como as pessoas fingem desconhecer, tapam os olhos, evitam encarar e denunciar situações de violência que estão logo ali na casa ao lado, na rua por onde circulamos, dentro do elevador. Temos que “meter a colher”, ser definitivamente intolerantes para com a violência.
Num ano os dados apontam para uma diminuição, no outro há um aumento e assim sucessivamente. A frieza dos números – registadas 27 318 participações de violência doméstica por parte das forças de segurança, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2013 (2), de que resultaram 40 homicídios conjugais (30 mulheres e 10 homens) – tem de ter uma tradução nas consciências de que são PESSOAS que foram maltratadas e a algumas foi mesmo retirado o direito básico a viver. Segundo dados do RASI do primeiro semestre de 2014, as polícias receberam 13 071 participações, ou seja, 73 queixas por dia, isto é, 3 queixas por hora.
Sabemos que o aumento das participações corresponde a uma maior consciência dos direitos que levaram a que alguém deixasse de ter vergonha, que alguém decidisse intervir, que alguém deixasse o silêncio e pedisse ajuda. Sabemos que o facto de haver mais participações não significa que agora há mais violência do que antes. Não. Agora há mais consciência dos direitos, as campanhas e as organizações de direitos das mulheres têm feito um caminho, mas é impossível que esta constatação nos satisfaça. Uma que seja é uma vida que foi abusivamente retirada. “Nem mais uma!” é a campanha das feministas bascas da Marcha Mundial das Mulheres que exibem uma braçadeira e vão para a rua, sempre que uma mulher é morta.
A violência contra as mulheres é um problema de poder, de justiça, de igualdade, de educação, de segurança e deriva de uma discriminação de género que está na base da sociedade patriarcal em que vivemos. Quando lemos as notícias, é recorrente surgir o ciúme, as atitudes possessivas, o controlo, a incapacidade de lidar com o sentimento de perda como “explicações” para os femicídios. Há que desfazer alguns mitos e narrativas que tentam explicar e desculpabilizar este crime com o alcoól ou a crise. Certamente que a crise é potenciadora de atitudes de frustração, depressão e revolta, mas não é determinante nem pode ser desculpa para a consumação de crimes.
Temos leis. Temos planos contra a violência de género. Mas não podemos tolerar o massacre que é a vida, as vidas de milhares e milhares de mulheres. A lei não basta; por isso, os membros da sociedade têm que intervir, denunciar e não fechar os olhos. A prevenção é fundamental, as campanhas, todos os meios que eduquem para o respeito, a não discriminação, a cidadania têm de ser constantes e eficazes. A justiça tem que ser rápida e tem que dar sinais claros de que protege as vítimas e pune os agressores.
A violência mata! Basta! Nem mais Uma!
Desde 1999 que a ONU instituiu a data do 25 de Novembro como Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Data para mobilizar a sociedade em todo o mundo e data escolhida para homenagear as três irmãs Mirabal, activistas na luta contra o ditador Trujillo da República Dominicana, mortas nesse dia no ano de 1960.
Relatório Anual de Segurança Interna 2013