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A candidatura da Arrábida

O governo português patrocinou uma candidatura da Arrábida, organizada pelas autarquias desta região, a património mundial da Unesco. A apreciação prévia efectuada pelas entidades internacionais competentes foi desfavorável e, por precaução, a candidatura foi retirada antes que a decisão final deixasse uma marca negativa na opinião pública e na imagem internacional daquela zona protegida.

Para quem acompanha com interesse os problemas associados à evolução da Arrábida este desfecho era esperado. Os pareceres formulados apontam problemas graves como as pedreiras, a cimenteira e o excesso de urbanização em zonas sensíveis como base importante para fundamentar a sua apreciação. Estas foram também as críticas efectuadas por muitos activistas e ambientalistas que participaram nos debates em torno do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) há uns anos atrás e que foram intencionalmente esquecidas pelos que tiveram a incumbência de redigir a versão final daquele documento.

Não é possível esquecer a responsabilidade que as Câmaras Municipais (entre as quais se conta a de Sesimbra com uma posição de grande destaque) têm em todo este processo por vários motivos. Primeiro, por que foram elas mesmas que toleraram ou incentivaram algumas daquelas chagas com impacto predador sobre a área protegida, como é o caso do fomento de projectos de urbanização ditos turísticos com impactos significativos sobre o equilíbrio ambiental. Recorde-se a iniciativa obstinada da Câmara de Sesimbra em torno dos Projectos para a Mata de Sesimbra, que pressupunham a instalação de milhares de pessoas e respectivas infra-estruturas. Por outro lado, as autarquias da zona da Arrábida nunca tiveram vontade política para enfrentar os problemas específicos criados pela existência das pedreiras e da cimenteira e, na melhor das hipóteses, sonharam com a hipótese de usar a classificação de Património da Humanidade para indemnizar e reconverter aquelas explorações. Finalmente, as câmaras da Arrábida não aproveitaram o debate em torno do POPNA para colocar na primeira linha das prioridades um plano de erradicação dos verdadeiros problemas que acabaram por tornar insustentável a candidatura da região a Património da Humanidade. Pelo contrário tornearam prudentemente o afrontamento daqueles problemas.

Tudo isto mostra que a política autárquica, nesta como noutras regiões, trocou a perspectiva de longo prazo da sustentabilidade ambiental de uma região com um valor emblemático, por uma rentabilidade de curto prazo que conferiu algumas receitas entretanto esfumadas na vertigem da urbanização forçada. Eis tudo aquilo que a Arrábida não merecia.

Mas mostra também uma outra coisa. Foi possível influenciar e convencer com alguma facilidade entidades públicas nacionais que tinham a missão de zelar pelo bom cumprimento das normas e dos princípios da conservação da natureza a aceitar erros denunciados por muitos. Mas já não foi possível fazer o mesmo com organizações internacionais independentes especialmente criadas para decidir sobre estes assuntos.

Este é um pesado balanço para todos aqueles que tiveram responsabilidades nos destinos da Arrábida.