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Divórcio ou casamento infeliz

Muito se especula sobre o divórcio entre o cidadão comum e a classe política que o dirige. No rescaldo de um ato eleitoral em que sai sorridente a abstenção e o voto inútil e debilitada a democracia, urge entender as razões do fracasso deste casamento.

Importa esclarecer antes de mais o conceito de divórcio: rompimento legal e definitivo de um vínculo. Implica habitualmente que a partir de determinada data se trilhem 2 caminhos distintos.

Estabelece normalmente a disfuncionalidade de um qualquer tipo de relação, outrora satisfatória, projetando um futuro em que nenhuma das duas variáveis tem influência sobre a outra.

O divórcio entre os cidadãos e a sua democracia aconteceria se os caminhos se separassem, escolhendo a democracia outros cidadãos ou os cidadãos outra democracia. O que perdura é um casamento infeliz, resignado ao desencanto, sem chama de entusiasmo que o alimente. Resiste um casamento cinzento, em que uns abdicam de decidir sobre ele e outros utilizam-no como forma de satisfação egoísta.

Abster-se de decidir, neste caso de votar, não significa um divórcio; significa colocar nas mãos da política desacreditada a condução do destino, a gestão dos bens, entre os quais o mais precioso: a liberdade. Abster-se de ter voz ativa no seu presente é tornar inúteis as lutas do passado e hipotecar as perspetivas do futuro. É aceitar um casamento de costas voltadas, uma anuência ilimitada à vontade de uma parte, mesmo que pejada de infelicidade para a outra.

O divórcio será consumado quando houver a coragem de desenhar um novo caminho; será efetivado quando se lembrarem os cidadãos comuns que a política é feita dos homens e mulheres que nela se embrenham e por ela se interessam: dela fazer parte, escorraçando os que a parasitam, é uma escolha ao alcance de todos. Esquecer este facto é hipocrisia de quem se deixa toldar pelo medo de ter em mãos a responsabilidade de agir.

O divórcio nunca terá contornos de abstenção, de raiva anti partidária desmedida, de maledicência gratuita. Esses são os traços de um casamento condenado ao fracasso em que o trabalho de uns sustenta a sobranceria e ganancia de outros.

O divórcio ocorrerá aquando do corajoso momento em que se todos os cidadãos assumirem nas suas mãos os acordes que compõem o seu fado; em que seja qual for a sua ideologia, tomem de assalto os partidos que criticam, roubando espaço aos que minam os seus fundamentos ideológicos com os seus compadrios e interesses pessoais. Dar-se-à logo que a política seja devolvida aos rostos do dia a dia, aos que não necessitam de política para subsistir, antes se propõem a servi-la, aos que experimentaram a necessidade do esforço por cada emprego, por cada vislumbre de sucesso e a imensa alegria a cada pequeno feito.

Ocorrerá quando às urnas todos disserem presente, votando ideias; quando terminar a desculpa fácil de que todos são iguais quando na verdade a cada um cabe a possibilidade de marcar a diferença; quando houver a coragem de pensar o país não deixando, apáticos, que alguém por nós o pense.

A escolha pende sobre este casamento sem amor ou um divórcio que obrigue a aprender a amar novamente. Teremos coragem de voltar a amar a liberdade de decidir? Teremos coragem de tomar em mãos os diversos partidos do atual e futuro panorama político, enriquecendo os seus quadros com as nossas ideias? Teremos coragem de amar o debate fervoroso, de ansiar por submeter as nossas ideias ao juízo de todos, de pretender ser parte de uma solução e não um cúmplice no perpetuar do problema?

A democracia não é um fardo, é um privilégio. A democracia não é uma obrigação, é a oportunidade diária que nos torna iguais na possibilidade de fazer a diferença, assim o ousemos assumir.