Share |

E depois da revolução?

A história da Humanidade, as linhas que desenham o trilho de cada um de nós, não são trajetórias retilíneas, geometricamente imaculadas e planeadas. São recheadas de momentos de convulsão, de sobressalto, de revolução; a nossa linha muda, o nosso rumo rege-se por novas estrelas, os nossos sonhos expandem-se ao até então desconhecido.

As revoluções na história deste mundo de Homens e Mulheres, sucedem-se dia após dia, momento após momento, ainda que só recordemos algumas delas: recordamos todas aquelas que não tivemos medo de concretizar, recordamos sobretudo todas aquelas que tivemos a coragem de manter depois de as concretizar.

Não haveria um 25 de Abril, sem um 26 de Abril em que o desejo de liberdade se mantivesse. Tal como hoje desvanece a revolução Abril por um dia presente em que nos rendemos a este sentimento de entrega incondicional ainda que seja clara a delapidação de direitos, o assalto à dignidade e o extermínio da esperança.

Não teria sido abolida a escravatura sem dias consecutivos de gente corajosa inabalável na convicção da igualdade da condição humana, abdicando, muitos deles de mordomias herdadas, porque mordomia alguma se equipara à bondade entre seres humanos. Hoje deixamos que ela volte, camuflada de precariedade, de chantagem e de exploração, concedendo-nos um lugar menor numa sociedade de alguns, aqueles a quem vendemos a preço de saldo o que de mais sagrado temos: a nossa dignidade.

Não se teria em dia algum falado da Saúde 24 se não decidissem os seus trabalhadores levar a cabo a sua revolução. Ainda que poucos acreditassem nesta revolução, a verdade é que mudou inquestionavelmente a luta desigual pelo trabalho digno e de direitos reconhecidos.

Meses após uma dura batalha que custou o emprego a mais de 150 enfermeiros, finalmente o Ministério do Trabalho se junta à Autoridade das Condições de Trabalho proclamando, ténue e baixinho para que se oiça pouco, que os enfermeiros da Saúde 24 têm inequívoca razão na sua pretensão de ver reconhecida a ilegalidade da sua relação contratual com a LCS, gestora da linha Saúde 24, que não se inibiu de contratar mais enfermeiros nas mesmas condições, agindo fora da lei, quiçá protegida e impune pelas fortes ligações políticas da sua gestão à maioria governamental.

Feita a revolução, importa não desistir dela. Nos subterfúgios, agindo pela sombra, com a ausência de honestidade, boa vontade e transparência que pautou constantemente a sua intervenção, a LCS tenta acusar em tribunal elementos da Comissão de Trabalhadores, os mesmos a quem negou o direito de trabalhar, os mesmos que lhe fizeram frente pois acreditam na Saúde24 enquanto serviço público e não como meio de negócio fácil. Estratégia semelhante já teve em 2009, quando arquitetou falsas acusações, desmentidas em tribunal, contra enfermeiros que também haviam desafiado a empresa, em nome, sempre, da defesa do serviço. Sem explicação para os vários milhares de chamadas perdidas durante todo o período de pico de incidência do vírus da gripe, recorre-se à mesquinhez e à desculpa fácil.

Feita a revolução, provada que está inequivocamente de que lado estava a razão, persistem impunes os despedimentos sem justificação, persiste a forma de contratação ilegal a valores cada vez mais baixos, persiste o desrespeito pela Saúde 24 enquanto serviço público e pelos cidadãos, camuflando-se o despedimento de 150 enfermeiros experientes com publicidade a novos serviços. Persiste a LCS, gestores e diretores, os mesmos que tomaram nas suas mãos os despedimentos, as ameaças diárias, a estigmatização, que hoje escondem por detrás dos sorrisos de sempre, fingindo que nada sucedeu, repetindo-o até que alguém acredite.

Algo, no entanto, sucedeu; numa batalha dura, impiedosa, pelo trabalho justo, digno e com direitos, uma pequena vitória alenta os que ainda acreditam. Deixar de acreditar, de apoiar incondicionalmente, é deixar morrer mais uma revolução, mais um momento que pode marcar a viragem para todos os que aspiram a ser reconhecidos pelo empenho diário, pela entrega e dinamismo e a ser tratados como seres humanos de plenos direitos e dignidade.

Haja a coragem para ouvir a razão. Haja coragem para não deixar calar a mensagem todos os que pagaram com o seu emprego para se fazerem ouvir.

Para Trotsky a revolução não é um momento, mas sim um contínuo; a revolução continua enquanto o ser humano for ser humano, e desistir das revoluções do nosso mundo é desistir de nós próprios.

Ter a coragem de lutar, sair da sombra da resignação, manter vivas as revoluções que urgem ter lugar, é ser gigante num mundo que parece vezes demais de pessoas demasiado pequenas.

Nota de Autor: Um imenso agradecimento a todos os que nunca esqueceram os enfermeiros da Saúde 24, apoiando-os de forma incondicional na sua busca pelo reconhecimento da razão, e mostrando a sua imensa solidariedade e apoio mesmo nos momentos mais difíceis. Um imenso obrigado a todos os enfermeiros corajosos da Saúde 24, pois foram as suas mãos, mais habituadas a cuidar, que fizeram esta revolução.